SIMBOLISMO - ARTE E LITERATURA

 

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SIMBOLISMO


Rapper Emicida se inspirou em uma das obras simbolistas para compor a "sua" Ismália.


No dia 30 de outubro de 2019, o rapper paulista Emicida lançou o álbum “Amarelo”, uma das faixas do álbum é a música “Ismália feat Larissa Luz e Fernanda Montenegro”. A canção “Ismália” é inspirada no poema de mesmo nome, cujo o autor da poesia é Alphonsus de Guimaraens. 

O poeta mineiro, Alphonsus de Guimaraens é parte do movimento literário denominado de Simbolismo. A Ismália de Alphonsus de Guimaraens, traduz o transtorno mental e comportamento suicida de uma mulher branca do início do século XIX, aparentemente motivado por fatores passionais. Tal interpretação ocorre devido ao significado do nome “Ismália” que no grego significa “desejo de amor”. 

O racismo cria a Ismália para Emicida. Emicida ressignifica Ismália, transformando-a numa mulher negra do século XXI, ou melhor, Ismália para o rapper seria a personificação dos transtornos mentais ocasionados pelo racismo estrutural e como isso impacta na saúde mental da população negra. O racismo materializa-se nos índices de mortalidade da juventude negra (80 tiros te lembram que existe pele alva e pele alvo), no encarceramento em massa da população negra, na alta taxa de suicídio de jovens negros (levantamento do Ministério da Saúde e da UnB publicado em 2019). Todos esses marcadores demonstram que “ter pele escura é ser Ismália”. Portanto, ser Ismália está relacionado ao adoecimento físico e psíquico dos negros.


A sociedade cria símbolos que representam ideias. 

A águia é uma ave que simboliza muitas ideias no imaginário social, por exemplo.



OU

👉https://www.youtube.com/watch?v=z72-Gf6ch4c


Algumas definições:

O Simbolismo foi um movimento CULTURAL,  inclui  as artes plásticas, a literatura e o teatro. Surgido na França no final do século XIX, aproximadamente em 1880, o Simbolismo teve pouco espaço em função do avanço do Modernismo.

      O SIMBOLISMO foi um movimento que surgiu na França, por volta do final do século XIX, em oposição ao Realismo e ao Naturalismo. Ele procura explorar as nuances da subjetividade, da espiritualidade e do imaginário, explorando tanto o mistério quanto o inconsciente. 

 Alguns pontos em destaque do Simbolismo:

 1. Valorização do Subjetivismo: Diferente dos movimentos anteriores que prezavam pela objetividade, o Simbolismo buscava a introspecção e a subjetividade, fazendo uso de imagens e símbolos para expressar emoções e sensações. 

 2. Musicalidade: A linguagem simbólica é rica em aliterações, assonâncias e ritmos, conferindo uma musicalidade aos versos. A poesia desse período procura se aproximar da música, sendo que alguns poemas até se assemelham a partituras musicais.

 3. Misticismo e Espiritualidade: Há uma busca pelo transcendental e muitos poemas simbolistas fazem referências a temas místicos e espirituais. Seus autores duvidavam da razão e da realidade concreta; por isso, buscavam, por meio dos sentidos, atingir o plano das essências.

 4. Influência de Baudelaire (francês)







O Simbolismo utilizava uma variedade de símbolos para expressar temas complexos e abstratos. Alguns dos mais comuns incluem:




  • A noite e a escuridão: O desconhecido e a introspecção.
    A lua: Símbolo de feminilidade, mutabilidade e sonho.
    A cor branca: Associada à pureza, espiritualidade e morte
    Flores e vegetação: Muitas vezes, flores como lírios e rosas, simbolizam a beleza efêmera, a pureza e a transitoriedade da vida.
    Esses símbolos ajudavam os escritores a criar uma atmosfera onírica e a explorar a profundidade dos sentimentos humanos.
    A água e o mar: Representam a fluidez, o inconsciente e o infinito.
    Cisne: Símbolo de pureza, transformação e beleza.
    Labirinto: Representa a complexidade da mente e da existência humana.
    Nevoeiro: Simboliza a confusão, o mistério e a barreira entre o real e o irreal.
    Rosas negras: Carregam a ideia de mistério, morte e beleza trágica.
    Sonho: Representa o desejo, o irreal e a busca por algo além do tangível.
    Espelho: Símbolo da introspecção, reflexão e dualidade da alma.
    Máscara: Usada para explorar a dissimulação e a complexidade da identidade.
    Torre: Simboliza isolamento, aspiração espiritual e introspecção profunda.
    Coruja: Associada à sabedoria, mistério e escuridão.
    Caverna: Reflete introspecção, mistério e o desconhecido.
    Véu: Simboliza o oculto, o espiritual e o que está além do visível.
    Coroa de espinhos: Representa sacrifício, sofrimento e redenção.
    Serpente: Símbolo de tentação, mistério e transformação.
    Estrela: Associada à orientação, esperança e transcendência.
    Névoa: Simboliza o mistério e a incerteza.
    Relógio: Representa a passagem do tempo e a impermanência.
    Túmulo: Símbolo de morte, reflexão e eternidade.
    Cristais: Associados à pureza, clareza e transcendência.
    Arcanjo: Símbolo de proteção, espiritualidade e poder divino.
    Sombra: Representa o lado oculto da mente e do subconsciente.
    Fogo: Símbolo de purificação, destruição e transformação.
    Pássaro: Geralmente associado à alma e à liberdade.
    Espinhos: Representam dor, sofrimento e superação.
    Abismo: Símbolo do desconhecido e do perigo interior.
    Eco: Simboliza a repetição e a lembrança persistente de algo perdido ou distante.
    Porta: Representa a transição entre diferentes estados de consciência ou realidade.
    Nuvens: Símbolo de mudanças, efemeridade e a conexão entre o céu e a terra.
    Pavão: Associado à vaidade, beleza e a alma.
    Espectro/Fantasma: Representa a presença do passado e as memórias que assombra


    Mariposa: Representa a transformação, a alma e a atração pelo desconhecido.
    Rosa dourada: Símbolo de perfeição espiritual, raridade e transcendência.
    Gota de sangue: Significa sacrifício, vida e paixão intensa.
    Fonte: Representa a vida, a purificação e a origem.
    Flamejante: Simboliza o espírito ardente e a iluminação espiritual.

    Sombras: Representam o inconsciente, o oculto e o desconhecido.
    Porto: Símbolo de abrigo, segurança e chegada.
    Vitral: Reflete a luz divina e a complexidade da alma humana.
    Náufrago: Representa a perda, o desamparo e a busca por salvação.
    Pedra: Representa a permanência, o eterno e a resistência.
    Bruma: Símbolo de confusão, misticismo e o desconhecido.
    Cruz: Representa sacrifício, sofrimento e redenção.
    Flor-de-lis: Símbolo de pureza, renascimento e espiritualidade.
    Labareda: Associada ao espírito, à paixão e à transformação.
    Borboleta: Representa a transformação e a fragilidade da vida.
    Relâmpago: Símbolo de iluminação súbita e revelação divina.
    Cruz de Lorena: Significa fé, martírio e redenção.
    Gruta: Simboliza o útero, o mistério e a introspecção.
    Estátua: Representa imobilidade, eternidade e a perfeição idealizada.
    Vela: Símbolo da luz interior, da alma e da espiritualidade.
    Barco: Representa a jornada da vida e o destino incerto.
    Escada: Simboliza a ascensão espiritual e os desafios da vida.
    Moinho de vento: Símbolo da transformação e da força da natureza.
    Jardim: Representa o paraíso, a ordem divina e a harmonia.
    Trem: Símbolo da jornada da vida e do progresso inevitável.
    Corvo: Representa a morte, o presságio e a sabedoria oculta.
    Lago: Simboliza a calma interior e o reflexo da alma.
    Ruínas: Significam o passado, a memória e a decadência.
    relva: Representa frescor, renovação e a vida em sua forma simples.
    Relógio de Sol: Simboliza a passagem do tempo e a reflexão sobre a mortalidade.
    Torre de Marfim: Símbolo de isolamento intelectual e busca espiritual.
    Esfinge: Representa mistério, sabedoria e o enigma da vida.
    Rosas vermelhas: Significam paixão intensa e amor trágico..
    Flauta: Representa harmonia, espiritualidade e o chamado divino.
    Flauta: Representa harmonia, espiritualidade e o chamado divino.
    Palmeira: Símbolo de vitória, paz e resistência.
    Penhasco: Representa a extremidade, o risco e a introspecção.
    Pérola: Simboliza pureza, beleza oculta e sabedoria adquirida.
    Fênix: Símbolo de renascimento, resiliência e transformação.
    Ponte: Símbolo de transição, conexão entre mundos ou estados de consciência.
    Rosa Negra: Significa mistério, morte e beleza oculta.
    Vortex: Representa caos, transformação e poder natural.
    Árvore de Cipreste: Símbolo de luto, imortalidade e espiritualidade.
    Harpia: Símbolo de instintos primitivos e forças naturais indomáveis.
    cavalo. No Simbolismo, o cavalo é carregado de significados. Ele costuma simbolizar força, liberdade, poder e a energia vital. Sua figura pode evocar tanto o aspecto selvagem quanto o domesticado, representando a dualidade entre a natureza indomável e a civilização.

  • RESUMÃO


    Falta de confiança na realidade, que seria ilusória;

    Oposição ao objetivismo parnasiano e realista;

    Valorização do não racional, ou seja, do mistério;

    Apreço pelo não consciente, pelo espiritual e imaterial;

    Crença na existência de um mundo ideal;

    Relação entre o mundo visível e o mundo das essências (ou ideal);

    Misticismo, sondagem do eu e valorização da intuição;

    Musicalidade das palavras;

    Alienação social;

    Rigor formal: metrificação e rimas;

    Visão contrária ao otimismo científico;

    Destaque para o abstrato, o impalpável;

    Uso de reticências para sugerir imprecisão;

    Poder de sugestão, em oposição à objetividade;

    Maiúscula alegorizante: palavra escrita com inicial maiúscula;

    Estímulo dos sentidos humanos, a partir da sinestesia;

    As palavras com maiúscula alegorizante e as sensações são símbolos capazes de levar o leitor a ter contato.

    "E, finalmente, devemos apontar o rigor formal da poesia, metrificada e com rimas, e ressaltar que, segundo a perspectiva simbolista, não deveríamos analisar esse poema, já que essa é uma atitude racional, mas apenas nos entregar às sensações que ele provoca, para, assim, atingirmos o plano das essências, que, segundo os simbolistas, é a verdadeira realidade, pois, no plano concreto, vivemos uma ilusão apenas."




Principais Representantes no Brasil

No Brasil, os principais escritores simbolistas foram:



Os principais temas explorados são o amor, a loucura, o sonho, a mente humana, a dor, a morte, dentre outros.No Brasil, o Simbolismo tem início em 1893, com a publicação das obras “Missal” (prosa) e “Broquéis” (poesia), de Cruz e Souza.







Contexto histórico


No fim do século XIX a industrialização começou uma disputa entre Inglaterra, Alemanha e Rússia. O dinheiro no mundo era acumulado por uns e acabava faltando para os outros, deixando mais evidente a desigualdade social.
Por aqui, na América do Sul, a situação também se complicou.
No Brasil, estávamos com problemas políticos. Viramos uma República, lembra? Isso inspirou uma tentativa de revolução: os estados da região Sul queria se separar do Brasil. Além disso, a Marinha do Rio de Janeiro não gostava muito o fato de os dois primeiros presidentes da República serem militares. Isso é um pouco irônico, porque o pessoal da Marinha é militar também, mas enfim... a coisa toda estava fugindo um pouquinho da democracia.
Também houve a abolição da escravatura e os escravos libertos enfrentavam grandes problemas sociais e étnicos.
Nesse o clima os simbolistas pensaram: deixa para lá, vamos falar de coisas místicas: fantasmas, religiões, névoa e toda sorte de coisa que flui, escorre ou vaza... era mais ou menos assim: vamos fugir disso... a realidade está dura."



No Brasil, o Simbolismo surgiu após a Abolição da Escravatura (1888) e a Proclamação da República (1889). Nesse contexto, havia a miséria dos escravos libertos, um problema social e étnico que se estenderia pelas gerações afora, além dos conflitos políticos ocasionados pela ditadura empreendida por Floriano Peixoto (1839-1895), que durou de 1891 a 1894. Além do mais, no Nordeste, os problemas. "Assim, os artistas recorreram novamente à fuga da realidade. 
A vida como ela é já não interessava mais a esses artistas, nem a um povo cansado de tão dura realidade. Assim sendo, as obras de caráter realista, segundo aqueles mais sensíveis, deveriam ser substituídas pela fantasia."




As figuras de linguagem mais utilizadas no simbolismo, as quais estão relacionadas, em maior parte, à sonoridade (figuras de som), são:
  • Aliteração: caracterizada pela repetição de consoantes ou de sílabas.
  • Assonância: caracterizada pela repetição de vogais.
  • Onomatopeia: caracterizada pela inserção dos sons reais.
  • Sinestesia: caracterizada pela combinação de diferentes sensações relacionadas com o sistema sensorial (visão, olfato, paladar, audição e o tato).





Embora Simbolismo seja mais conhecido pela poesia, alguns escritores também exploraram prosa. Um exemplo é conto "O Coração", Cruz Sousa, onde usa uma linguagem densa simbólica para tratar de temas como morte alma. 


"Cruz e Sousa (1861-1898)
Negro, filho de escravos alforriados, nascido em Florianópolis.
Sua poesia apresenta profundidade filosófica, em busca da essência.
Seus textos evidenciam uma angústia metafísica marcada pela melancolia.
O autor tem obsessão pela cor branca, recorrente em suas obras, associada à pureza ideal.
Sua poesia só foi reconhecida no século XX.
Principais obras:
Broquéis (1893)
Missal (1893)
Evocações (1898)
Faróis (1900)
Últimos sonetos (1905)"



Soneto CARNAL  - o soneto fala de brumas, evaporações, virgens que vagam, espuma branca, cortejo sonâmbulo, estrelas que se apagam. Tudo tem a ver com coisas místicas e coisas em movimento, mudando de forma.
Falando em forma, o soneto é decassílabo.








 

Ismália andava infeliz, então buscou coisas que estão além da realidade, quando enlouqueceu. 
A musicalidade do poema vem da estrutura de redondilha maior (sete sílabas por verso):


"Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)
Nascido em Ouro Preto.
Viveu em Mariana, onde escreveu sua obra, ignorada por vários anos.
Sua poesia é marcada pela religiosidade.
Apresenta uma linguagem mais suave em relação à de Cruz e Sousa.
Evidencia o misticismo associado à ideia de morte.
A temática da morte do ser amado é recorrente em seus textos.
Principais obras:
Septenário das dores de Nossa Senhora (1899)
Câmara ardente (1899)
Dona Mística (1899)
Kyriale (1902)
Mendigos (1920)"



Outro nome importante do simbolismo no Brasil é o de Pedro Kilkerry, que nunca publicou nenhum livro, mas seus poemas circulam em várias coletâneas de poesia.

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha.
Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.


Misterioso esse poema, não achou? As coisas mudam e se movimentam (“bulir das cousas”). É interessante observar que não é o eu lírico (o sujeito que fala no poema) que olha para a estante, mas é a estante que o olha “em cada livro”. Esse próprio eu lírico vai se transformando, porque tudo muda, a sala, a câmara etc. Sabe aqueles desenhos em que tem uma bruxa em um caldeirão preparando uma poção mágica? É mais ou menos isso que a gente lê nas últimas estrofes. Afinal, precisava de um toque místico, não é? Senão deixa de ser simbolista.
Percebeu a forma do poema? São versos decassílabos.
Pedro Kilkerry



Ismália, EMICIDA





Ouça a compositora, cantora e musicista Inezita Barroso cantando e tocando o poema 
Ismália, de Alphosus de Guimarães:






Referências:
 CAMPOS, Augusto de. ReVisão de Kilkerry. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
CRUZ E SOUZA, João da. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.
GUIMARÃES, Alphonsus de. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
Alan Paixão
BRASIL ESCOLA







UM DIÁLOGO ENTRE ÍCARO, EMICIDA E ISMÁLIA

Alguns dos muitos dados presentes na internet, em fontes seguras, mostram que 66,7% da população carcerária brasileira em 2019 era negra (FBSP) e 78% dos mortos pela policia eram negros. Esses dados são uma justificativa muito importante para trazer esse debate à tona nas linguagens artísticas, em razão das linguagens artísticas acabarem sendo a válvula de escape da comunidade negra, é como se fosse o lugar em que eles se humanizam diante de um sistema que os desumaniza.

“O principal modo de se expressar desses sujeitos periféricos está na fala, por isso a importância de se perceber a oralidade como propulsora da produção e transmissão de conhecimentos e da história não-oficial, cujos relatos podemos encontrar no RAP, pois é sua poética que vai trazer a humanização desse sujeito” (MELLO; PINTO, 2020, p. 108)

A chegada de produtos culturais como o rap de Childish Gambino, em 2018, com “This is América” nos Estados Unidos e “Crime Bárbaro” de Rincon Sapiência no Brasil, demonstram que, cada vez mais, surge por parte da juventude o desejo de se discutir sobre o racismo na sociedade.” (SANTOS; CORAÇÃO, 2021 p. 368)

Diante de toda essa violência que está aumentando contra a população negra, também  uma resistência,  uma resposta da comunidade negra, principalmente dentro da arte. Sendo assim, aqui estará presente a canção Ismália” de Emicida e o poema Ismália” de Alphonsus Guimaraens, além do mito grego de Ícaro.

A perspectiva do voo em ambas as obras pode ser visto como alçar o inalcançável, como a desestabilidade como ponto de partida e a queda. Além dessa perspectiva, também será abordado o racismo, que é o ponto chave desse artigo, que é identificado como estrutura de dominação, como estereótipos do enlouquecimento e da personificação do negro como Ícaro e como Ismália.

Ícaro é filho de Dédalo, que era um arquiteto. Dédalo, junto ao seu filho foram condenados a viverem para sempre na ilha de Creta, porque Dédalo havia matado seu sobrinho por inveja. Dédalo, arquiteto, criativo, inventor, não queria que seu filho Ícaro vivesse preso naquele lugar para sempre, queria que ele visse o mundo, conhecesse outros lugares, alçasse voo. Pois então, Dédalo construiu para Ícaro um par de asas com madeira, cera de abelha e pena, e aconselhou ao filho para não voar muito baixo porque as penas poderiam molhar nas águas do mar e ele cair, mas também para não se aproximar do sol, porque o calor poderia derreter a cera e fazer com que ele caísse.

Ícaro, quando consegue fugir, se vê apaixonado pelo que vê, e então começa a voar cada vez mais alto e acaba por esquecer o conselho do pai, as asas derretem, Ícaro cai e morre. É interessante pensar a queda como símbolo de uma das mais antigas angústias do homem, o medo da queda, o medo da derrota. Ao passo que temos o voo como alcançar alguma coisa, ultrapassar, ascender na vida, já que na mitologia os únicos que voavam eram os deuses.

Já o poema Ismália”, que tem o mesmo nome da música de Emicida, foi escrito pelo poeta brasileiro Alphonsus de Guimaraens, temos logo no começo “quando Ismália enlouqueceu”, já há uma ideia de que o poema gira em torno da loucura de Ismália. Ismália se perde em sua loucura e quer duas coisas ao mesmo tempo que são opostas uma da outra, e são impossíveis de alcançar em vida: ela quer o céu, ao mesmo tempo que ela quer o mar, veja:

“Queria subir ao céu
Queria descer ao mar”

E é na morte, quando ela se lança da torre, que ela encontra o que sempre almejou: sua alma sobe e seu corpo desce e ela tem finalmente as duas coisas que não teria em vida. Esse paradoxo é o tema central deste poema. É interessante observar, tanto no mito da antiguidade clássica de Ícaro quanto no poema simbolista de Alphonsus de Guimaraens, o que se quer e o que se tem.

“Assim, uma figura enlouquecida, do alto da torre, insulada em distâncias e exclusões, contemplando eminências de abismos, sonha. Do alto da torre, desejos se duplicam, dividem-se e o desvario em canto deságua em duplo impacto: um, em levitação, busca a lua (liberação e repouso); outro, em queda, afunda se no mar, afoga-se (pesadelo e aprisionamento).” (RICIERI, 2003, p. 197)

Essa questão do abismo é referenciada nos primeiros versos da estrofe da música de Emicida:

“Ela quis ser chamada de morena
Que isso camufla o abismo entre si e a humanidade plena”

Aqui já é possível identificar o abismo que há na obra de Alphonsus de Guimaraens como aquele abismo entre liberdade e aprisionamento que Emicida cita: o processo de embranquecimento de uma população negra não retinta, visto que ser chamada de morena, até pouco tempo atrás, camuflava esse abismo entre as pessoas não-brancas e os brancos. Isso também é visto no mito de Ícaro nas águas do mar e no sol, que poderia derreter suas asas. Esse alçar voo, na mitologia, era algo muito arriscado, visto que só os deuses o poderiam fazer. É possível comparar esse abismo como céu versus queda, num sentido de deuses versus não deuses, e trazendo para esse cenário de racismo como uma comparação entre os brancos, que são tidos como endeusados, como superiores, dominadores de uma sociedade e toda uma população racializada em queda, próxima do chão, perto do aprisionamento que a gente percebe em “Ismália”.

Em “Ismália” poema, vemos que ela só alcança aquilo que queria quando se suicida, porque o corpo vai para o mar, mas a alma vai para o céu. Podemos trazer essa alusão na questão dos corpos negros como quando se alça esse voo e acaba caindo, ou seja, quando corpos negros são violentados, mortos,  Somente quando há a queda é que há a visibilidade, que passam em jornais, na televisão, nos Trending Topics do Twitter. Na música de Emicida, podemos ver isso em “Hashtags #PretoNoTopo, bravo! 

 Com isso, podemos identificar que só há o alcance dessa voz que os negros não possuem quando há a queda, ficando o paradoxo de só ter voz após a morte, só alçar voo depois da queda, ou melhor, como Emicida diz:

“No fim das conta é tudo Ismália (…)
Quis tocar o céu, mas terminou no chão
Ter pele escura é ser Ismália”

Porque parece que todos os esforços que a comunidade negra possa fazer em vida para alcançar espaços, para serem valorizados como pessoas, para mostrarem a sua cultura, viverem as suas religiões, toda vez que há esses esforços nada chega a esse céu de Ismália. Então, parece que somente na queda é que emerge essa discussão, essa voz da população negra.

Emicida enquanto pessoa negra e eu-lírico da canção, se coloca nesses lugares, mas também como toda a população negra. Tanto Ícaro quanto Ismália quiseram voar para alcançar algo e caíram, e é aí que Emicida se coloca em comparação a eles. Ou seja, um negro quando almeja lugares mais altos sempre vai ser tombado, seja porque ele vai ser atingido por um sistema racista, que domina a situação e que acaba por impedir seu voo, seja ser visto como louco: Ismália enlouqueceu, Ícaro não foi inteligente o bastante; é como se o sistema causasse essa desestabilidade emocional nas pessoas para que o negro não saia da torre de Ismália, para que não saia do labirinto de Ícaro. 


REFERÊNCIAS
RICIERI, Francine Fernandes Weiss. As várias formas de Ismália: espelhamentos, tensões, poéticas. Manuscrita: Revista de Critica Genetica, n, 11, 2002
SANTOS, Solange Stéfane; CORAÇÃO, Claúdio. A correria como forma de resistencia negra em videoclipes do rap brasileiro. Periferia, v. 13, n. 1, p, 363-386, 2021.
GUIMARAENS, Alphonsus de. Ismália. In. Melhores poemas de Alphonsus de Guimaraens / seleção de Alphonsus de Guimaraens Filho. 4 ed. São Paulo: Editora Gloral, 2001.
ISMÁLIA. Direção: Emicida. Intérprete: Emicida. Letras [s. n.] 2019.
PINTO, Cecília Augusta Vieira; MELLO, Carla Cristiane. A Linguagem do RAP como Resistência à(s) Norma(s). Porto das Letras, v.6, n.1, p-93-113, 2020.

"Ismália" do Emicida está repleta de figuras 

de linguagem que enriquecem a 

letra da música. canção é uma releitura 

criativa moderna do

 poema de Alphonsus de Guimaraens, 

trazendo à tona 


temas de identidade, opressão 

busca por liberdade.

  • Metáfora: Metáforas são utilizadas para criar imagens poéticas e transmitir emoções complexas. 

  • Emicida emprega metáforas para expressar a luta e o sofrimento do personagem. 

  • Por exemplo, ele pode usar a frase "ela quis tocar o céu, mas acabou no chão", para comparar os sonhos inalcançáveis do personagem com a dura realidade que enfrenta.

Aliteração: A repetição de sons consonantais cria ritmo e enfatiza certas emoções. Por exemplo, "a felicidade do branco é plena, a felicidade do preto é quase" pode destacar a diferença entre as experiências de diferentes grupos sociais através do som "p".

Antítese: A leitura da letra pode sugerir que o autor utiliza antíteses para ressaltar contrastes e conflitos, como ao opor felicidade e tristeza, liberdade e prisão. Essas antíteses são cruciais para ilustrar a dualidade das experiências humanas e reforçar a mensagem de luta e resistência na música.
Outro exemplo poderia ser o contraste entre pele alva e pele alvo; preto e  branco.

Paralelismo: O uso recorrente de estruturas paralelas ajuda a reforçar a mensagem da música e sugere criar um ritmo cativante. 
"A felicidade do branco é plena, a felicidade do preto é quase" 
"...a cena ...na trave ....é plena ...que pena ...é quase" são exemplos disso.

Hipérbole: A hipérbole exagera situações para enfatizar sua gravidade ou intensidade. Por exemplo, falar de uma dor "gigantesca" serve para realçar a intensidade emocional.

Numerologia: A presença de numerologia na música.

Alusão: A alusão é uma figura de linguagem que faz referência indireta a uma pessoa, evento, obra literária ou mito conhecido, adicionando camadas de significado sem necessidade de explicação detalhada. Ao mencionar Ícaro, o artista invoca a história do mito grego para enriquecer a narrativa da música e acaba por transmitir a ideia de aspirações e quedas trágicas. A referência a Ícaro na música pode ser um exemplo disso.


Paradoxo: a morte vista como libertação... O "fim" é, na verdade, o começo.
  • paradoxo ou oxímoro, é uma figura de linguagem, mais precisamente uma figura de pensamento, baseada na contradição.

    Muitas vezes, o paradoxo pode apresentar uma expressão absurda e aparentemente sem nexo, entretanto, ele expõe uma ideia coerente e fundamentada na verdade.

    Por isso, o paradoxo é fundamentado na contradição lógica das ideias, como se tivéssemos duas ideias numa frase, e uma está se contrapondo à outra. No entanto, a contraposição dos termos utilizados cria uma ideia lógica.

  • Daniela Diana

Para entender melhor essa figura de pensamento, observe as frases abaixo:

  • Se você quiser me prender, vai ter que saber me soltar. (Caetano Veloso)
  • Já estou cheio de me sentir vazio. (Renato Russo)
  • A novidade que seria um sonho/O milagre risonho da sereia/virava um pesadelo tão medonho. (Gilberto Gil)
  • Embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu. (Sarah Westphal)
  • O amor é ferida que dói e não se sente. (Luís Vaz de Camões)
  • Sendo a sua liberdade/Era a sua escravidão. (Vinicius de Moraes)
  • Bastou ouvir o teu silêncio para chorar de saudades. (Reinaldo Dias)
  • Estou cego e vejo/Arranco os olhos e vejo. (Carlos Drummond de Andrade)
  • Eu fujo ou não sei não, mas é tão duro este infinito espaço ultra fechado. (Carlos Drummond de Andrade)

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